segunda-feira, 10 de março de 2014

Ela não queria dormir

Ela não queria dormir. Sabia que se dormisse havia grande chance de não acordar mais. Sabia que aquela noite era o prazo final da profecia. A última lua azul do século. Mesmo tendo dito a todos em alto e bom som que não acreditava em profecias, naquele instante ela se sentia paralisada de medo. A angústia havia dominado seu corpo, apesar da sua mente tentar lhe dizer que aquilo era bobagem.

“Vá dormir” pedia seu corpo cansado, pedia sua mente pensando em todos os grandes acontecimentos previstos para o próximo dia. Mas ela não conseguia. Seus olhos miravam a cama e suas mãos seguravam firme a coberta junto ao peito. Ela estava parada, de pé, mirando o leito. Seus lábios se espremeram.

Por que ela não conseguia se decidir? Por que ela não conseguia se mover? Já havia resolvido toda essa peleja em sua mente há tantos anos. Desde pequena ouvira que era ela a escolhida para cumprir a profecia. Sabia que muitos se apoiavam na fé de que ela faria o sacrifício em benefício de seu povo. Recebia de todos os lados olhares esperançosos, e alguns muito sombrios, como se invejassem sua posição, ou como se soubessem mais dela do que ela mesma sabia de si!

Fora preparada para aquele momento durante toda a sua infância. Até um dia durante seus treze anos que não aguentou mais. Revoltou-se durante um jantar, expôs toda sua ira e descontentamento com o papel que lhe fora imposto. Queria escolher. Queria ter domínio sobre seu próprio caminho. Queria ser dona de si. Não deixaria que aquelas pessoas que mal a conheciam a tornassem a única solução de suas vidas patéticas. A vida era sua!

Não foi de um dia para o outro que chegara a essa conclusão. Havia alguns meses, uma de suas melhores amigas, sua ama Lynx, começara finalmente a falar.  Às amas tal coisa não era permitida, e durante toda sua infância, Lynx apenas se restringira a ouvir-lhe e acenar positivamente. Esta atitude a incomodara profundamente, pois como podia Lynx conhecer toda a sua curta vida e ela não saber nada sobre Lynx? Como podia ela nutrir um amor e respeito tão grandes àquela figura, que para todos passava completamente despercebida, e que para ela muitas vezes fora uma verdadeira mãe? 

domingo, 9 de março de 2014

Era uma vez uma cabeça vazia

Era uma vez uma cabeça vazia. Ela olhava para todos os lados e continuava vazia. Ela resolveu andar em volta mas continuava vazia. Aí ela resolveu assistir TV e de repente sua cabeça não estava mais vazia. Ficou cheia de cocô. E ela riu e foi feliz para sempre.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Guerra

Tem uma nação dentro de mim. E esta nação está dividida. Em muitos pedaços, não sei se consigo contar. Tem uma nação em guerra dentro de mim. E eu me delimito. Crio fronteiras. Enquanto eu estou em guerra eu estou em guerra. Enquanto eu traço limites eu me limito. E me insurjo. E faço guerra e me limito. E me divido. Contra mim.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Transe II


(em resposta a Transe)


Há uma imagem que se pinta em minha frente
De olhos hesitantes e sorriso quebrado
Ele arromba portas por não saber bater
Troca o prazer saboroso pelo fel da vida
Protege seus muros com uma gargalhada irônica
Esconde-se em sons inaudíveis às massas
Desvencilha-se trêmulo travado aterrorizado
Colhe as migalhas medíocres dos dias
Dedilha melodias vazias
Deflora gozos de ilusão
Aliena-se em meio às tempestades
E se entorpece em um transe irresistível

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Numa hora dessas

É bem numa hora dessas
Quando as paredes e nada além me cercam
e são minha única companhia
É assim numa hora dessas
quando o sol cai
e se instala a noite
com todas as suas promessas
de horas longas e vazias
É numa hora assim que
ela me visita
a Loucura.
Bate em minha porta
e me acompanha
pois as paredes não são tão boas amigas assim
cheias de perfeição superficial e plana
e a Loucura dialoga
a Loucura preenche os espaços vazios dessa casa
e não me deixa só.
Me acalenta o sono da noite,
me põe para dormir.
E sempre deixa a promessa
de que virá me visitar novamente
e preencher meus vazios
assim, numa hora dessas.

De novo

Tudo errado
Eu fiz tudo errado
De novo

quarta-feira, 7 de março de 2012

Linha

O mundo caminha em uma linha pré-riscada.
                               Eu
                                                               me
arrasto                
                em
                                                               um
                                                                              turbilhão
                caótico



O mundo transita em um caminho imaginário.

                                                                              minha
                mente
                                               desconhece
divaga                                                      duvida
                descrê                                                
                                               demora
dispara
                                                                    descende                                                                    
                                               disseca
                dilui
dorme

O mundo desperta para um novo dia.

                eu

passado                                              agora

e agora?              talvez

                                                   pudera

      quisera

                               sambava fugia 

farei                                                                    

                                                               insônia

parei

O tempo transita sem olhar para trás.

                                                               corpo

                               cede                    

                                                    cabeça    
       
caça

                                 coração

      cansa


mais

nada