segunda-feira, 28 de março de 2011

Vermes

Muitos vermes me consomem
Muitos vermes sugam minha essência 
E levam o que há de melhor
E deixam a casca.


Eles brotam no interior
Levam meu interior
Embora


São nutridos por mim
E crescem, fortes


Tantos vermes quanto permito
Tantos dentro de mim habitam
E acham várias moradas
E sugam


Parecem viver para sempre
E há sempre mais um
E mais um


Muitos vermes me consomem
Sugam meu interior
Brotam insistentemente
E fica essa casca seca, sem vida
Rígida


Eles me derrubam 
Mas eu não caio
Embora preferisse


A casca range
E os vermes continuam
insistentes
displicentes
descoordenadamente
irritantes
constantes


E a casca continua
Como se nada soubesse
Não cai, fica firme
Embora preferisse

domingo, 6 de março de 2011

Originalidade banida

A verdade é que quero imitar. 
Não há mais espaços para originalidade. 
Espaço não, só exílio... Cansei do exílio. 
Cansei de sonhar por ideais inalcançáveis, lutas frustradas ou emoções falidas. 
Procuro conforto. 
Conforto na imagem produzida, na linguagem fabricada, no pensamento do segundo...
Vou com a multidão e meu destino é certo, cretino, porém certo. 


Vendida, vida bandida.


2010/2

Crisálida

ela queria falar
mas só chorava
e de lágrimas encheu
seu quarto
as lágrimas eram cristais
azul, rosa, lilás
e luz


as lágrimas
a envolviam
e a acalentavam
e a confortavam
como fios de seda
delicados
infinitos
e a abraçavam


eram muitos
e neles ela se refugiou


como um novelo
ela estava,
atada aos fios
no meio deles
atada
envolvida
e quanto mais ela chorava
mais eles a envolviam


e formaram uma
crisálida
macia e firme
delicada e resistente
e ali ela se pôs
e ali se manteve


como era bom estar ali
tão protegida
mas sufocava
e cegava
uma crisálida,
não uma tumba
até quando tantas lágrimas?


experimentou
veio devagar, trêmula porém decidida
era a hora, já não havia mais dúvidas
e a voz brotou
abriu suas frágeis asas
como eram belas
e eram delicadas
rosa, azul, lilás
e luz


e voou


- 23/01/2009

Sem raiz

Cortaram minha raiz
Algumas poucas ainda se pregam ao chão
mas são poucas e finas e pequenas
e carregam a responsabilidade de segurar todo o peso
e pesa

Cambaleio

Cortaram a minha raiz e agora vago
sem chão
sem pé
sem lugar
Sem raiz fica difícil se achar

cortaram minha raiz e já não reconheço meu tronco
não reconheço meus membros
não me reconheço

Se cortaram minha raiz como me sustento?



24/11/2008

Olhava para fora

Olhava para fora, sentada à janela
Mãos sobre os joelhos
Braços esticados
Pés no chão

Via além do vidro, além das grades
Via o azul, via o horizonte distante 

As grades não estavam lá
Só a energia do sol, dominante, aquecendo o interior, a pele, o ânimo
E seus olhos não perdiam o horizonte de vista 


Os gritos não estavam lá
Ouvia o som do ar, do sol, do verde
Ouvia melodias e poemas. Os gritos, não. Agora não...


Sentada, olhando para fora
Fora
E dentro, só silêncio
Silêncio revoltoso, energético, retumbante
Harmônico
Doido pra sair


E um sorriso brotou 





14/10/2008

Olhar

Então o olhar se surpreende.
Descobre que existem palavras.
São-lhe ainda ríspidas.
Que tanto dizem? E dizem?
Desconfia.
O olhar ainda quer dizer.
Falar com a força do oculto.
Prefere ser decifrado.
As palavras o desafiam.
Só que ainda se confundem na tradução.
Loucas, desmedidas, não conseguem se conter.
Terão elas tal poder?
O olhar é certeiro, porém tímido.
Será ouvido?
Provável que não.
Mas como se entregar à fúria incontida do dizer?
Expor, desproteger?
Encolhe-se e volta para si.
Contido, acuado
Seguro, escondido
Silencioso.

01/10/2007

Olhos

Quero ouvir a voz dos teus olhos
Sons que em silêncio gritam
Palavras camufladas em brilho
Poesia traduzida em
cor
lágrimas
cílios
piscadelas-vírgula.
Quero sorver a melodia contida neste olhar
Ressonante, discreta, calada
Que vibra na minha retina em alta freqüência
E me prende a contemplar em resposta.
Quero buscar teus olhos
E falar com eles
Emudecer, revelar segredos
Admitir desejos
Abafar explosões
Ecoar euforia
Disfarçar canções
E no conforto dessa pausa
Que em infinitos se multiplica
Quero descansar, ver-te vendo-me
E ser vencida, hipnotizada.


Maio/2007

Privilégio


Certo dia em que passava pelos portões da UFMG para mais um dia de estudo, me dei conta da grande fronteira que atravessava. Para trás ficara todo o emaranhado caótico da cidade e seu zumbido cinzento. Ali só havia a calma verde das árvores, num contínuo que se perdia aos olhos. Obviamente havia também alunos apressados, carros insistindo em seu ronco invasivo e funcionários que buscavam se despir do sono. Nesse dia porém, escolhi ver o verde. Escolhi ouvir o silêncio se despertando no canto de pássaros inusitados. Escolhi transpor o tempo e me lembrar de um mundo que pouco conheci, mas de que sempre ouvi falar.
Me mudei para Belo Horizonte ainda criança. Me lembro dos passeios com minha mãe pela cidade. Pegar ônibus, ir ao centro enfrentar aquele mundo de gente, entrar e sair de lojas em busca de um preço mais simpático. Olhar fixo no chão e nas pernas que se entrecruzavam, me desviava e, ao mesmo tempo, acompanhava o puxão firme no braço, conduzido pela marcha frenética de minha mãe. E então ouvia um grito. Assustada, procurava o motivo que a fizera parar. Assalto, esbarrão, pisada no pé talvez. Mas todas as vezes, e não foram poucas, percebia que seu olhar se havia desviado para outra direção. E em seguida ouvia: “Que maravilha está essa Castanheira!” ou “Aquela é uma Quaresmeira, minha filha, símbolo da cidade”, e outras vezes “Olha que vontade de viver, a das plantas. As raízes quebram a calçada com sua força!” Fatos eram sempre acompanhados de nomes, que foram aos poucos acrescentados à minha lista: Flamboyant, Pata de Vaca, Acácia Japonesa, Buganvília, Orquídea, Violeta, Lírio, Boca-de-Lobo, Amor-Perfeito, Hortência...
            Antes da mudança para a capital, a casa de minha vó materna era o próprio paraíso. Naquele lugar, onde eu e meus primos explorávamos cada centímetro do extenso terreno em nossas brincadeiras de aventura, minha mãe foi criada. Lá ouvimos várias histórias de moleques pulando os muros para pegar frutas nas diversas árvores do quintal. De como elas muitas vezes mataram a fome dos doze irmãos. De linhas e flores que se transformavam em coroas e colares. Histórias de enxertos, adubos e cuidados da terra, paixão de meu avô por suas plantinhas. E de sua coleção de madeiras mantida no porão, colhidas durante suas andanças pela cidade. Muitas vezes, furtivamente acabavam no fogão à lenha, gente demais pra alimentar. Descoberto o delito, inflamava-se meu avô. Rapidamente retirava seu tesouro do fogo, o apagando. “Isso é Pinho de Riga! Isso é Pinho de Riga!”
            Hoje em dia é comum, quando estou com meus amigos, parar e dizer: “Como estão lindos esses Brincos de Princesa” e receber em troca olhos interrogativos. Se espantam pelos nomes que guardo. À sombra de uma árvore que se encontra em frente à faculdade, onde nos assentamos diariamente, folhas que caem nos cabelos ou formigas que transitam por nossas pernas se transformam em queixas . Num desses dias vi uma pequena Ameixeira que se encontra no mesmo local ser violentamente sacudida. Um homem buscava tirar proveito de seus frutos. E brutamente a importunava, derrubando vários deles no chão. Escolheu alguns, ignorou o resto. Desaprendemos a olhar.
            No entanto, entrei no campus aquele dia e decidi não ver os prédios concretos e simétricos que se espalham em meio às copas. Prédios cheios de livros, livros cheios de nomes. Nomes dos quais fiz questão de me esquecer. Me ceguei para a o vagar acadêmico dos passantes, míopes, cheios da sede ortodoxa por termos cunhados em laboratórios, embebidos de importância asséptica.
Entrei no campus e me deixei envolver pela névoa que paira sobre a reserva ecológica bem cedinho de manhã, banhada pelos raios que se espreguiçam sobre aquele friozinho úmido. Reparei no passarinho incomum de cauda comprida, camuflado em meio aos galhos. Notei os gatinhos se enroscando pelos gramados, tranqüilos e livres, donos daquele território soberano. Deixei o rosa dos Ipês me inundarem de beleza. Acompanhei a leveza do Salgueiro a sombrear um banco de jardim. Lembrei-me dos nomes tão significativos que popularam minha pequena enciclopédia verde. E senti o real privilégio que há em adentrar aqueles portões diariamente.  

25/09/2007

*Texto publicado no projeto "A Tela e o Texto" da FALE/UFMG em 2010, que circula nos ônibus de BH.
            

Hai Kai


Uma estrela cadente
Uma lágrima imita
Paralelas no infinito azul


Estação das chuvas
Vidas que desabam
Estação das lágrimas

Imagens coloridas
Diálogos eloqüentes
Vida muda


Voz contida
Grito
Muros se expandem

Luz na retina
Pequenos espelhos
De vidas pequenas

O cachorro
corre atrás de seu rabo
Alegria simples


fev/2007

Alma de gato

Você diz que tenho “alma de gato”. Alma de gato. Será?
Sim, gostaria. Mas não. Sinto muito.
Ah, meu Deus, como queria.
Talvez tenha alma de cão. Mas não, de gato não.

Queria sim, assim como eles, andar esguia, na ponta do pé.
Leve como pluma, com patinhas de algodão.
Fazendo estripulias, como uma bailarina.
Alongar minhas pernas e tocar minha nuca,
Displicentemente encantar meu público.
Simples e sincera sem nada dever a ninguém.

Então me paralisar, observando,
Impondo-me
Dona do meu domínio.
Rainha do teu castelo.
Sem nada perder de vista.
E como uma estátua de mármore
Precisamente esculpida
Ser contemplada,
Digna de adoração.

Queria sim, abrir meus olhos e refletir a luz da noite.
E com o brilho que emitir, hipnotizar quem vejo,
Como que prestes a dar o bote.
Seduzir com um gesto silencioso e aprisionar para sempre minha vítima
E com minhas afiadas unhas torturar quem me quer bem.
Com minha feição angelical, manipular diabolicamente
A elevada criatura a quem inferiorizo,
O eterno prisioneiro que deliberadamente me acolhe.

Exigir malandramente um afago
E sem pedir licença me jogar em um colo.
Enrolar-me, abraçando-me sem pudor,
E como um feto aconchegar-me no seio que me alimenta,
Tornando irresistível o iminente cafuné.
E quando bem me entende, levanto-me,
Espreguiço-me e bocejo, lenta e longamente.
Deixando para trás qualquer vestígio
De mais um leito transitório.

Ah, que pena, tão bom, se alma de gato tivesse.
Mas não. Talvez alma de cão.
Que senta e espera resignado,
Por um cadinho de atenção.
Que mantém sempre seus pés no chão
A não ser quando um abraço o força o vôo
Para logo em seguida ser devolvido ao seu lugar.

E que espera pacientemente por seu dono,
E sem ele não sabe quem é.
Que feliz abana o rabo e lhe lambe os braços quando chega
E não vê quando em seguida lavam as mãos.

Sou o cão que fielmente se cega
Para tudo o mais que não seja o outro
E de si mesmo se esquece
A não ser uma vez ou outra
Quando no silêncio escuro da noite
Suas feridas lambe
E no frio se aquece.

Alma de gato... Quem sabe em uma próxima vida?


2007/1


PARE!

- PARE! – berrou a placa – Proibido seguir em frente.
- Como assim? Não posso parar. Vê a estrada de tijolos amarelos? É o meu caminho, tenho que seguir.
            Insistia. Argumentava. A cada tentativa de dar um passo, a placa tornava-se mais vibrante e maior. Colocava-se à sua frente e impedia a passagem.
            - Não me interessa, pegue um retorno, vire à direita. Ou à esquerda. Dê meia volta, eu não me importo.
            - Sai da frente! Anda! Você não pode fazer isso! Preciso ir. Vê o mapa? Indica claramente a estrada amarela. Não há outra possibilidade. Não há volta, nem retorno. Sai!
            A melodia estridente daquela discussão foi então silenciada. Gritos apressados se aproximavam. Vinham de um coelho branco que usava gravata. Pulos misturados com corridas e tropeços eram intercalados por rápidas olhadelas no relógio que trazia na mão. Passou por ela bufando e repetindo:
            - É tarde! É tarde! Tenho pressa! É tarde! Tic-tac, tic-tac. Tenho pressa! – e sumiu no fim da paisagem. Ela não pôde evitar o incômodo que sentiu com aquele encontro repentino. Não sabia o porquê. Sabia, porém que precisava continuar seu caminho. Tinha agora ainda mais urgência. Agitada, se debatia contra a placa.
            Suava. O calor lhe percorria o corpo. Porém sentiu uma chama ainda maior queimar sua pele. Olhou pra cima e viu um cometa riscando o céu e vindo em sua direção. Tirou de sua mochila uma rede de caçar borboletas. Esticou-se ao máximo e... zup! Alcançara o cometa. Sentia seus pés saírem do chão e se afastarem cada vez mais dele. Satisfeita, percebeu que se desviara da placa e agora voava alto. Sentiu os braços doloridos mas se agarrava firme. Fechou os olhos. No meio de tanto ardor sentiu a frescura do vento.  E imaginava seu destino, o fim da estrada.
            Abriu os olhos. Olhou para baixo. Era uma visão devastadora. A estrada de tijolos amarelos, como um fio dourado desenrolado, rabiscava um traçado estranho no chão. Não batia com o desenho do mapa que carregava desde a infância. Percebeu, desiludida que o que via era um caminho sem fim, que se entrelaçava em túneis e viadutos, curvas e ruas sem saída, pipocados de placas berrantes, sem nunca levar a lugar algum.
            Os olhos se encharcaram de ira e desespero. Ela bate os calcanhares repetidamente, insistentemente. Nada acontece. Olha ansiosa para seus sapatos vermelhos. Já não estavam mais tão vermelhos. Além de arranhados e gastos da caminhada, o cometa os havia chamuscado. Nada. O emaranhado continuava lá, com suas placas pulando em uma coreografia frenética.
            Então ela se solta. Vencida, se solta. Cansada. Já não quer mais voar. E cai, leve como uma pluma, entorpecida, resignada, lentamente. Cai de volta ao mar amarelo. Ao fundo um sussurro letárgico, uma voz conhecida, a invade, a preenche.  Apenas o que ouve é o som daquela voz que, desde então, nunca mais saiu de sua cabeça, dizendo: - Tenho pressa! É tarde! É tarde! Tic-tac, tic-tac. É tarde!...

- fev 2007

Le Malandrin

Le malandrin est arrivé
Est arrivé le tricheur
Il est arrivé dans mon coeur
Il est arrivé pour danser

Il danse le samba
Il danse et je souris
Je sourris pour lui
Il danse avec moi

Je danse e mon coeur bat
Il bat pour le malandrin
Il bat e je ne voit rien
Il bat comme le samba

Le malandrin est arrivé
Est arrivé le trompeur
Le tricheur qu’ a pris mon coeur
Le malandrin qu’ a gagné mes yeux

- set/2006

Samba a dois

Num compasso desequilibrado
Eu tropeço
Caio em seus braços
Me levanto, tô de pé
Um, dois, três perdi o compasso
Mas malandro que é malandro
Sabe como é
Num perde o passo.
E agora? Num sei o que faço
Sigo o que o mestre fizer
Gira, cruza,
Segura firme, um abraço
Me pára na música
E eu, malandra, me enlaço
O samba rola, desembolado, fácil
E nós dois vamo que vamo
Bão ou ruim? No aço
                                                       -2006