quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Raiva

Ah, essa raiva que vive dentro de mim.
Ah, essa raiva disfarçada que me toma.
Ah, essa raiva dissimulada,
que me dociliza diante dos outros
e me imbeciliza diante de mim.
Ah essa raiva, que me domina há tanto,
sem nome, sem rosto, sem se identificar.
E vive minha vida por mim.
Ah, essa raiva abafada, que causa estrago sem ser notada.
Ah, essa raiva, que me empurra para onde não quero ir.
Ah, essa raiva calada.
Ah, essa raiva entalhada, incrustada, primitiva.
Ah, quanta raiva!
Ah, quanta raiva guardada, escondida, fingida.
Que de tão torta me estraga.
De tão antiga me azeda.
De tão presente se esquiva.
E de tão pungente me priva
de mim.

sábado, 22 de outubro de 2011

Espertinha

A chuva está batendo no vidro da janela. Os vizinhos conversam não sei o que. As janelas estão fechadas e eu não consigo ouvir. Tem um portão que não para de bater.

O dia está cinza. E eu acinzento junto. O piano de Nina lamenta.

Tem água fervendo no fogão. Meu almoço está quase pronto. Macarrão instantâneo.  Hora de desligar e comer. Desce sem graça, sem gosto. Alimenta.

A vida me cutuca. Ela adora estes momentos. Chega de mansinho e encosta em mim. E não me deixa em paz enquanto eu não lhe der atenção. Eu lhe dou. Penso. E não chego a grandes conclusões. A conclusão é que nunca deixarei de pensar sobre ela. E nunca chegarei a grandes conclusões.


A chuva aumentou.

E aí? A vida é pra comer? É pra guardar? É pra esquecer? É pra analisar? É pra sorrir ou pra chorar? É pra vencer, ganhar dela? É pra engolir ou ser engolida por ela? Danada... Espertinha, ela.

Aí ela me cansa. Ai, chega de tanta ladainha... Vou ali, pintar minha estante. Vou ali, pintar minha vida. Vamos ver como ela ficará.

sábado, 15 de outubro de 2011

Um cadinho de tristeza

E aí que de repente bate uma tristeza. Aquela tristeza que a gente evita. Aquela tristeza que a gente vive para evitar. Aquela tristeza que a gente não vê em comercial de margarina. Por isso que a gente a evita, né?

Aquela tristezazinha de leve de gostar e não ser gostado. Aquela pontinha de dó da gente mesmo por querer dar um abraço e não ter pra quem dar. Aquele incomodozinho das horas vazias que obrigam a gente a pensar no que a gente não quer e nos lembrar que tem tanta situação na vida que nos colocou na presença de gente que marca a gente. E depois vão embora. Ou a gente vai embora delas. E sente falta. Mas agora já passou a época. Aquele apertozinho de lembrar de um sorriso e um abraço que não são para você. Aquela angústia de querer tocar em alguém, abraçar alguém, dizer palavras doces e suaves e de sabedoria para alguém, mas cadê? Esse alguém não está, não pode estar, não quer estar. Sei lá. Dói um cadim, mas um cadinho só, por que senão é dor demais. E a gente precisa continuar andando.

Aí ela passa. Porque tem que passar. Por que a gente sente a tristeza e logo arruma algo pra se ocupar. Aí ela passa. E a gente se esquece dela. Até ela aparecer de novo... Porque ela passa, mas não some. 

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Estar só

Viver só

Nascer só e morrer só

Sorrir só

Chorar só

Se ver só

Se encontrar só

É o grande desafio humano

Para,  aí sim,

Estar junto

Viver em grupo

Nascer e morrer assistido

Sorrir com a turma

Chorar em um ombro

Se ver querido

E colher toda a beleza de uma vida plena.